sexta-feira, 13 de outubro de 2017

COLUNA DA MICHELINE MATOS - E o dia da criança me fez recordar quando virei mãe


E o dia da criança me fez recordar quando virei mãe


Olhar para criança que tenho em casa, sempre me trás reflexões pertinentes acerca da responsabilidade de educar um ser. E sou imensamente grata por ter essa criança rondando minhas horas, me lembrando tal responsabilidade. Eu nunca fui daquelas mulheres com sonhos de maternidade.Demorei muitos anos até ter uma pontinha de certeza que mergulharia no mundo materno.

Quando decidi viver essa experiência virei uma estudiosa do assunto parir. Fiz minhas escolhas baseadas em muita informação e preparação. Decidi pelo parto normal humanizado e em quase um ano estava quase PHD no assunto. Tenho essa caracteristica, sou curiosa. Se vou viajar para um novo destino, costumo pesquisar tudo e por que não fazer isso para viver a experiência mais significativa da vida? Parir um ser de forma natural me colocou em contato com a minha ancestralidade e isso me reconectou com uma força desconhecida, mas uma força que eu amei acessar.

Aqui abaixo divido com vocês algo muito intimo que guardo com muito carinho para que um dia a minha filha leia e saiba exatamente como ela veio ao mundo e parte das sensações que permearam a sua chegada.

Relato de parto
Liz nasceu meia noite e vinte seis do dia 19/07/2013, no hospital São Luiz, em São Paulo.


O relato de parto já estava sendo escrito nos corredores brancos da mente desde as primeiras horas do dia 19 de julho de 2013. Data em que me pari como mãe ao parir minha filha. Rabisquei as paredes ainda com sangue fresco como se quisesse assim perpetuar o momento ainda não processado, mas vivido. As horas do trabalho de parto foram me desnudando como nunca e eu pude tocar na parte mais profunda de mim, sem vergonha de tal nudez. Foram 40 semanas e 5 dias de espera, de preparo, ânsia, medo, alegria...Um misto de sentimentos que só quem já andou nessa roda gigante de hormônios sabe o que estou falando.

O dia 18 de julho, uma quinta -feira eu acordei sentindo algo diferente, umas cólicas que iam e vinham. Coisa leve, mas que eu imaginava serem os pródomos, ou o falso trabalho de parto como chamam. O fato de eu ter lido e me informado muito acerca da gestação, me deu segurança sobre o que podia estar ocorrendo. O tampão eu já estava perdendo desde o domingo. Enviei mensagem para Dra.Andrea Campos, que logo me respondeu pedindo para que eu monitorasse as tais cólicas por uma hora. Assim o fiz e lhe enviei nova mensagem. Também já havia acionado a minha doula, a Ana Garbulho que me confirmou os tais pródomos.

Claro que não deixei Alexandre, meu marido ir trabalhar. Ana chegou cerca de meio dia e meio por aqui. Ale e minha mãe preparavam um almoço enquanto eu ansiosa ia sentindo os primeiros movimentos da minha filha rumo ao mundo do lado de fora. Fizemos um exame de toque e eu estava com apenas 1 centímetro e meio. Segundo Ana, a coisa só iria engatar lá para madrugada, mas decidiu almoçar conosco. Enquanto as delicias vegetarianas borbulhavam no fogo, nos sentamos no quintal e nos pusemos a conversar sobre mil coisas. Em meio a um papo sobre placenta  veio uma contração de verdade ainda que não dolorida. Ana foi se animando com o ritmo das mesmas, mas ainda almoçamos bem tranquilos. Ela decidiu ir em casa, já que tudo caminhava em um ritmo meio lento. Antes de ir fez mais um exame de toque e o resultado: 2 centímetros. Nos despedimos com um: Até de madrugada, vá descansar pois você precisara estar bem disposta.

Eu e o Alexandre subimos para dar uma soneca. Menos de 10 minutos deitada...Eis que vem ela, a primeira das verdadeiras contrações, daquela que não dá para ficar deitada, das que nos empurram para terra, como se um fio nos puxasse para baixo, como se a gente quisesse se plantar. Um minuto. Esse é o tempo de uma contração. Um minuto é o tempo de uma viagem as cegas rumo ao encontro mais importante da vida. Um minuto de dor intensa, onde a respiração correta nos salva da loucura. Nada do que eu li se parecia com o que eu estava experimentando. Cada contração é única. É sua cria rasgando o primeiro mapa da sua existência. É chegada e partida.

Ana saiu da minha casa umas 3 e meia da tarde, mas antes mesmo de chegar a sua casa(atravessou a cidade inteira), Alexandre já ligou para dizer que as contrações realmente haviam chegado e que eu não conseguia mais ficar parada. Estava absorta na dor. Quando vinham eu andava, dava mil voltas na casa. Minha mãe estava apavorada e me seguia tentando fazer algo para aliviar, mas sua presença parada me olhando onde quer que eu estivesse só aumentava minha inquietação. Fui para o quintal em busca de solidão, como as cadelas buscam um canto solitário para parir. Eu me fechei e a partir dali mergulhei na dor tentando não deixar que a mesma me cegasse e eu perdesse o foco. Lembrava dos relatos de parto, dos livros que li, nada abrandava a mente, nada se fazia chave para abrir os portais que levam a tão famosa partolândia...só dor. Numa dessas contrações depois de respirar já chorando,  minha boca formou um sorriso olhando pro céu e eu disse para mim mesma: É minha filha que está chegando como eu desejei, essa foi uma contração a menos, vem minha filha!.

Durante as respirações eu tentava imaginar o colo dilatando e as seis e meia da noite uma gota de sangue escorreu pela minha perna e eu subi as escadas com a força de uma loba e fui me abrigar no chuveiro quente. Ana estava a quase chegando e minha mãe já desesperada falando que eu já devia estar no hospital. Eu tentando ficar calma olhava para o ralo da banheira onde a água se misturava ao sangue. Eu e minha filha estávamos em sintonia, cada uma em seu movimento. Na hora a cabeça não deixa a gente ver muita beleza porque a dor é bicho sorrateiro, se deixarmos, toma conta de todos os sentidos.
Ana já estava ali no banheiro comigo e logo ouviu o coração da Liz, forte, forte. Coração de quem lutava desbravando o caminho da saída. Não sei como consegui deitar e ela fez mais um exame de toque e constatou 5 centímetros.

-Hora de irmos para o hospital!

Ela foi na frente e eu e Alexandre a seguimos. Minha mãe ficou em casa rezando, como havíamos combinado. Foram momentos intensos de dor e gritos, pois eu não tinha a massagem nem as palavras da minha doula para aliviar.. Eu só queria chegar e entrar na banheira. O hospital São Luiz nunca me pareceu tão longe.Quando finalmente chegamos na porta de entrada da maternidade, saí do carro apressada e minha bolsa estourou ali mesmo, como uma cena de novela. Apesar de tamanha dor que chega depois do rompimento da bolsa, consegui ser mais forte e me animei ao ver a minha doula e seu sorriso tentando me acalmar. 

Fomos direto para sala de pré-parto, enquanto o Alexandre ficou cuidando da parte burocrática na recepção do hospital. Ver a Andrea, minha obstetra me fez sentir que estava tudo sob controle e depois de não sei quanto tempo de chuveiro quente, eis que avisam: a sala de parto humanizado está pronta! Me puseram numa maca e por um instante pensei: Como alguém consegue parir deitada meu Deus? É totalmente anti natural!Dói demais ficar nessa posição! 

Chegar na sala foi renovar as forças na banheira, enquanto a play list da Ana tocava músicas lindas e tranquilas, mas nem a água, a meia luz, meu marido comigo ali dentro conseguiram gerar força suficiente para me agachar de verdade(Detalhe:Alexandre tava tão nervoso que entrou na banheira de tênis!).

Ali foi o momento do meu encontro com o meu nascimento, tenho certeza. Minha mãe totalmente fechada com os punhos serrados sem gritar, engolindo uma dor intensa. Eu ao contrário gritava, chorava, pedia a Deus para conseguir. Hoje relembrando posso dizer que acredito piamente nisso de vivermos nosso nascimento no momento de parir. Eu queria sair mas minha mãe estava fechada de tanta dor, amedrontada já sentindo que a mesma violência obstétrica do primeiro parto estava se repetindo.Mas eu estava com uma equipe linda que respeitava meu momento, estava com meu marido que se dispôs a viver tudo comigo e mesmo assim, eu fiquei travada, absorta na dor. A Andrea ao me ver daquele jeito sugeriu que eu saísse da banheira e experimentássemos a banqueta.

Durante o expulsivo perdi a noção do tempo e por um momento pensei que não conseguiria. Nessas horas ter uma doula e uma médica conectadas com a sua energia é fundamental. Delas só ouvi frases positivas e de incentivo. Andrea decidiu colocar a banqueta em cima da cama e um lençol na minha barriga e posicionar a Ana de um lado e Alexandre do outro. Seríamos 3 fazendo força para Liz descer. Depois de várias tentativas, gritos meus, chôro...

-Ela está vindo! E os cilios parecem os da mãe! Disse Andrea para me animar colocar mais uma força

E lá vem a Liz para o meu braço. Meu chôro era um misto de agradecimento por ter conseguido parir e por ver finalmente a minha filha. Ali estava eu com a minha menina toda sujinha, peluda e já abrindo os olhos.Veio direto para o meu peito e ficou por horas. O cordão foi cortado pelo pai depois de parar de pulsar. Nós três ali naquele momento parecíamos um. Choramos! E a dor?Que dor? Parece milagre!Depois que ela saiu passou tudo, nem senti a placenta saindo. Sem dúvida alguma a maior emoção da vida...Parir! E parir assim, com respeito, paciência, apoio e amor.

Foram 9 horas vivenciando tudo. E esse relato é apenas um pedaço do que consegui transformar em palavras desse momento mágico.

Micheline Matos,
Mãe de primeira viagem e que tinha medo de morrer no parto ou ter que passar por uma cesárea, mas que pariu sem anestesia e não teve laceração alguma.