sexta-feira, 23 de abril de 2021

COLUNA DA HISTORIADORA FÁTIMA ALVES - Sebastião Raimundo de Sousa.



     Histórias do Cotidiano
 
Hoje trago mais uma vez na história cotidiana o Senhor Sebastião Raimundo de Sousa, mas com o coração cheio de saudades e entristecido por sua partida pra eternidade. Em nome de todos que fazem a cidade nossa gratidão ao artesão, ao artista que foi, pela paixão em tocar seu bumba, por seu sorriso é por espalhar alegria.

A arte e a vida de quem faz a História acontecer: Sr. Sebastião "A história humana não se desenrola apenas nos campos de batalha e nos gabinetes presidenciais. Ela se desenrola também nos quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbios, nas casas de jogos, nos prostíbulos, nos colégios, nas usinas, nos namoros de esquinas". Ferreira Gullar

O manual de História oral de Verena Alberti, expressa que, a escolha dos entrevistados é, em primeiro lugar guiada pelos objetivos da pesquisa. Baseando-me neste pressuposto, meu  objetivo é entrevistar pessoas que fazem o cotidiano da cidade de Brejo Santo, pessoas jovens ou idosas, simples ou públicas, as quais fazem a diferença. Ao relacionar alguns entrevistados deparo-me com personagens que apesar de constituir a história passada, encontra-se em plena atividade compartilhando do fazer e ser história neste espaço geográfico de Brejo Santo.






Hoje (15 de fevereiro de 2018) deparei-me com um personagem singular. Trata-se do Senhor Sebastião Raimundo de Sousa. Nasceu em 20 de janeiro de 1933, no município de Mauriti/Ceará. Achei interessante suas colocações, ele, no desejo de pertencer a cidade de Brejo Santo ou Milagres fez uma ponte: "Milagres, Mauriti". Chegou em 1968 em Brejo Santo. Sua irreverência e humor, justifica sua disposição apesar da sua idade, 85 anos. Ao perguntar se quando chegou a cidade já viera casado, eis a resposta: "Cheguei casado e bonito e com meus filhos". Despertou risos, foi assim falando de sua vida e de seus filhos nomeando um a um com orgulho. Ao falar de sua profissão retrata: "sou da roça, isso aqui mesmo". Assim ela vai desenhando a sua história, parece que está em palco a encenar suas aventuras e vivências. Fala de sua arte preciosa que é a de tocador de banda de pífanos. Com apenas 10 anos de idade observava seus irmãos a tocar e aprende com facilidade. Emocionado diz: "Aprendi com meus irmãos: Zé de Sousa,  Manuelzinho e Doca". Que prazer! Parece que revive os momentos. Para tocar, como era de menor, pedia a seu irmão para acompanhá-lo. Com a permissão do irmão, ia satisfeito, subia em uma mesa e tocava bumba e caixa. Com risos, diz: "Depois que me formei homem, 22 anos, aí, passei pra zabumba, e fui pra São Paulo, e passei 3 anos, aí comecei a fazer banda cabaçal com 23 anos de idade". Impressionou-me a reposta da pergunta: aprendeu sozinho? Ele: "com Deus". Palavras simples, mas de uma profundidade, de quem sabe o que é o Divino. Continua seu relato de como confecciona suas bandas para vender. ele próprio vai até a mata e pega a timbauba e começa sua arte. Duas arte em uma. Com prazer encena como faz seus instrumentos. Pede que eu veja como se faz, diz que faz sem ajuda, sozinho com sua criatividade. Sua primeira banda foi feita em 1968. Fez uma apresentação para o Coronel Oliveira e sua esposa onde hoje é a caixa econômica, em 1970. Conversa vai, conversa vem, o Sr. Sebastião, neste fim de tarde, se delicia com sua narração e orgulhoso enfatiza que já fizera mais de 50 bandas cabaçais. Está na execução de mais uma arte: banda cabaçal. Lição de profissionalismo para todos nós. Guarda a sua com carinho. Ele diz que já fora entrevistado até por pessoas dos Estados Unidos.

Faço mais uma pergunta: Quem é seu Sebastião hoje? É um homem simples, amigo de todos e amante da família.  Chegou na comunidade do sitio Bezerro no ano de 1986, comprou sua terra, mas foi trabalhar como guarda noturno, por 16 anos nas ruas da cidade. Outro aspecto interessante é sua memória. Vivem com seus filhos: Corrinha, Sr. Francisco e Diana, e Aparecida., enquanto Graça e Cicera moram fora.

Por fim, vem o homem de fé. Aquele que deixa marcas na vida e na história da comunidade do Bezerro com a doação do terreno para Capela de Santo Expedito. Ele se emociona e relata: "Manuel, meu filho, que já faleceu trabalhava de Guarda na Caixa Econômica, era meio arisco. Então ele me pediu para fazer uma capela". Em 1997, a pedido do filho,  começou a construir a Capela, com permissão do Monsenhor Dermival, mas seu filho não presenciou a finalização. Encontrou várias dificuldades, mas rezou e alcançou a graça com o Divino Espírito Santo, relata Sr. Sebastião. Doou o terreno para a Diocese, e todos os filhos ajudaram, inclusive, sua esposa que hoje está na eternidade. O santo padroeiro escolhido foi Santo Expedito doado pelo Professor Macedo. E assim as ajuda foram chegando: Lúcia. Dora, Maria Alves, Davi, Edvan, enfim, muita gente chegou junto. O telhado foi doado pelo Monsenhor Dermival. Sr. Sebastião é presença na Capela, frequenta a missa nos primeiros sábados de cada mês e não perde o ânimo.

Assim vive "seu" Sebastião como é conhecido por todos da comunidade, inclusive pelos que fazem a cidade de Brejo Santo, é o senhor das Bandas Cabaçais. Toca em festas de padroeiros e em renovações. Orgulha-se da arte. Encerra esta tarde com uma frase de imensa sabedoria: "Não pense que a gente agrada todo mundo, pois são muitas naturezas, as vezes agrada as vezes não agrada. Só tenho um "defeito grande" que é não saber ler, ah se eu soubesse ler". Mas retruco: "O senhor tem o que muita gente que ler gostaria de ter: SABEDORIA". Sr. Sebastião revela que lê a natureza, inclusive se vai ser bom de inverno ou não, suas previsões começam em mês de outubro. Que fantástico! Sabia que agora ia chover. Então não há leitura maior que adentrar na natureza e entender o ser humano.

Que tarde! Que palavras de ânimo e vivência!
Fica assim o registro da parte de uma história de um senhor simples, mas respeitado por todos e que faz a história acontecer.

Maria de Fátima Alves Moreira – Professora e Historiadora
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