Dona Raimunda, destemida e heroína.
No dia 25 de maio, com muito prazer dirijo-me a residência da senhora Raimunda Maria da Silva, filha natural de Brejo Santo, do Sitio Baixio do Boi. Como se trata de uma história cotidiana sinto-me confortável em conversar com Dona Raimunda. Mais um encantamento e uma lição de vida relatada na cozinha de sua casa. Quanta experiência em lidar com os desafios ao longo de sua história.
Não dá para escrever sobre alguém pulando etapas da vida. Dona Raimunda começa a descrever sua história a partir da infância. Ela conta que seus pais eram do Baixio do Boi e que estes se mudaram para Exu Pernambuco, porém sua mãe quando tinha 30 anos estava grávida e não andava bem de saúde, e em Exu não tinha o tratamento adequado. Retornam para Brejo Santo para se tratar na casa da família, porém sua mãe vai a óbito e ela fica com apenas 7 anos de idade, e tinha mais três irmãos atualmente uma irmã mora em Tocantins, outra em São Paulo e o irmão em Fortaleza. Dois anos após o falecimento da mãe seu pai resolve se casar novamente. Dona Raimunda relata que a madrasta não se entendia com ela e seu irmão. Os dois foram morar com os avós maternos. Os avós eram idosos e nesta época não havia aposentadoria, dona Raimunda teve que trabalhar para o sustento e para comer: “Só comia se trabalhasse, toquei a vida pra frente mais meu avô”, relata. Dona Raimunda então trabalhou até os 14 anos de idade e neste intervalo morre seu avô, ficou sozinha coma a avó. Mas quando ela estava com seus 16 anos sua avó adoece e uma tia chamada Antônia Camilo vem cuidar da idosa e ela foi entregue ao casal Zé Romão e Mocinha, estes tinham 3 filhos entre eles Antônio Mendes e Vilani e um terceiro que mora em Petrolina. Zé Romão e Dona Mocinha passaram a ser pai e mãe. Emocionada Dona Raimunda diz: “Não foi pai não, foi Deus, depois que cheguei lá não trabalhei mais”. Os trabalhos a que Dona Raimunda se refere são os da roça. A partir de então, seus trabalhos se resumiam em afazeres domésticos. O casal assume como filha e faz inclusive o casamento dela com José Pedro da Silva (in memoriam), quando esta tinha 20 anos. Ela sempre foi conhecida como filha do casal.
Ao casar-se com José Pedro(in memoriam), conhecido como Zé Pedro sapateiro, ela relata que morava na Rua da Lama e o Sr. Zé Romão na Rua Velha, mas este, todos os dias pela manhã, antes de ir trabalhar na Loja de Carlos Martins, passava em sua casa para ver como estava. Senti a emoção ainda maior de Dona Raimunda quando fala de Zé Pedro. Com o tratamento carinhoso de meu vei, ela diz: “Vivi 53 anos, foi glória pra mim, eita véi (velho) bom, até hoje está me fazendo tanta falta”. Raridade ver tanta beleza em tratar um companheiro com tanto carinho, então a palavra de Deus se concretiza nesta família (Mt 7,17): A árvore boa não pode dar frutos ruins, nem a árvore ruim pode dar frutos bons. Desta frondosa relação nasceram os que Deus entregou: Aurileide, Aucicelide, Aurimar, Pedro, Auriluce, Socorro e Jerry, além dos netos e bisnetos. Na verdade foram 10 filhos, porém 3 morreram. Aucicleide mora em Cuiabá e fez jornalismo, Pedro mora em Rondônia e os outros 5 em Brejo Santo. Dona Raimunda ainda relata que passara dificuldades, como Zé Pedro era sapateiro, tinha que ajudá-lo. Colocou um ponto de merenda, onde hoje é o cartório de Sr. Feitosa, era merenda pela manhã e sopa a noite.
Mas certa vez, chamou uma amiga Titica esposa de Erivelton para falarem com Jaurez Sampaio, prefeito da época para arranjar um emprego. Titica resistiu, mas Dona Raimunda destemida diz: “Tem que arriscar”. Assim fizeram, foram até a casa de Juarez, já era noite e encontraram na porta o menino Bosquinho e este deu a informação de que ele se encontrava em casa e estava a conversar com outras mulheres. Entraram e foram atendidas pelo então prefeito Juarez Sampaio. Como Juarez era brincalhão pergunta o que ela queria e ela prontamente responde que dinheiro era que não era. As duas amigas pedem emprego e este diz que não promete, mas verá o que poderá resolver já que estava indo a Fortaleza. Mas a resposta veio com a volta dele de Fortaleza e era positiva. Dona Raimunda é orientada a providenciar os papéis para um contrato do estado como auxiliar de serviços gerais, juntamente com a amiga Titica. Quem encaminhou sua documentação foi Mariquinha de Miguel Anselmo. Tudo foi muito rápido, os papéis teriam que ir, mas precisava da xerox de tudo e como Zé Pedro estava viajando (Zé Pedro tocava na banda de música, inclusive fora maestro por mais de dois anos), e a viagem era serviço da banda de música, e Dona Raimunda não tinha dinheiro. Mas como toda história tem um anjo, Arlindo dono de um frigorifico, lhe emprestara o dinheiro e ala mais que depressa resolveu tudo. Outro documento importante era o de atestado de saúde e este teria que ser feito na cidade do Crato. Interessante que o carro era doação de Juarez e ela junto com a amiga e outras mulheres teriam que ir até a casa dele para pegar o carro, saiam da garagem para que outros não soubessem.
Mas o sacrifício foi válido, vitória acertada, o contrato foi aprovado. O colégio a que se destinara a trabalhar fora o Balbina Viana Arraes, mais conhecido como colégio estadual. O professor Macedo a encaminha a Nida de Feitosa para acertar o horário do trabalho. E assim ficou de 11 as 5 da tarde. Dona Raimunda acordava às 4 da manhã deixava tudo pronto e entregava a casa a sua filha Aurileide, a qual dava de conta, pois quando ela voltava do trabalho as crianças já estavam banhadas e arrumadas e todas tinham ido a escola: “Toda vida de Aurileide foi dona de casa”. Dona Raimunda diz que sua entrada triunfal no estado foi no dia 04/07 /1980. Apesar de sua frequência ter sido confundida com outra Raimunda Moura da Silva, tudo fora resolvido, após 8 meses de trabalho sem salário. No dia em que saíra seu primeiro pagamento quem ligou para dar a noticia foi Chico de Sinésio e de seu esposo Zé Pedro, ele estava na Caldeira do Inferno e ela pensava que era noticia ruim, visto que, o esposo bebia. Mas a noticia foi maravilhosa, Zé Pedro diz que os oito meses de salario saiu e ela diz: “Fui receber na coletoria, o pagamento era feito lá e Fátima minha vida mudou a partir daí...pois não tinha nada, só a rede dos meninos”. Seu maior orgulho pela sua expressividade foi o de trabalhar na escola Balbina Viana Arraes e só depois de 20 anos foi destinada a escola Liceu. Infelizmente por um problema de saúde no joelho e por intermédio de Rita Pinheiro fora transferida para trabalhar na crede. Ela diz que no dia de seu aniversário dia 17 de fevereiro, Ritinha conversa com Renato, então, Diretor da Crede 20 a oferece como presente, pois como o prédio tinha muitas escadas, dificultava o trabalho da mesma. Prontamente Renato aceitou e para ele foi o melhor presente. Tece elogios a Renato sobre sua acolhida e os anos trabalhados juntos e que ainda hoje permanece sua filha Auriluce prestando serviço a Crede.
Como a perseverança faz a gente acreditar nos sonhos e os tornarem realidade, foi isso que Dona Raimunda fez, não desistiu. Surge a proposta de adquirir sua casa própria. Zé Pedro tinha ido tocar em outra cidade e surge a venda de uma casa de taipa e por que não de um terreno. Pois tudo concorre para dar certo. Zé Pedro chega da tocada como ela diz, e o dinheiro é exatamente o valor da compra da casa. Mas como ele precisava comprar materiais para sapataria o senhor João dono do terreno facilita, entra no negócio um rádio e 400 mil réis, ficando o restante para pagar depois um valor de 200 mil réis. A casa a que Dona Raimunda se refere é mesma em que por muitos anos moraram e Zé Pedro instalou a sapataria na rua da Lama.
Hoje Dona Raimunda mora no Bairro Alto da Bela Vista, arrodeada de filhos, noras, genros, netos e bisnetos. Fala de seus filhos com orgulho e de sua vida de vitórias e da saudade imensa do “seu vei” (velho) Zé Pedro. Vi sua força e determinação em vencer e de percorrer esses anos sem desistir. Fica o testemunho para cada um de nós.
Parabéns Dona Raimunda pela senhora e que junto com sua família compõe o cenário histórico de nossa cidade e pelo legado de Sr. Zé Pedro que será eterno em nossa memória, dos que acompanharam seu artesanato e pela pessoa que foi em vida.









