segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Chico de Sinésio do Brejo Santo

Ilustração - Carlus Campos (O POVO)



Quem conhece Brejo Santo se encanta com a cidade, quem visita a Caldeira do Inferno se impressiona, e se esse visitante é o premiado jornalista Demitri Túlio, naturalmente surge uma crônica memorável, publicado na edição deste domingo (23), no O POVO. Leia na integra: 


Já bati à porta de boa parte do Cariri, mas em Brejo Santo só havia passado de passagem. Na travessia da BR-116, indo ou vindo. Nunca tinha dado tempo parar e conversar durante uma água ou cafezinho de estrada.

Nos últimos dias, deu certo. Viagens de jornalismo são assim. Nasci dessas criaturas que vão de canto em canto, batendo palmas, pedindo permissão para entrar e entabular diálogos possíveis.

Pois bem, primeiro, Brejo Santo me chamou atenção pela limpeza das ruas. Nem parece Fortaleza e a maior parte dos municípios cearenses. Tudo limpo, recolhido. Estive no Centro, em outros lugares que beiram a rodovia federal e num trecho da zona rural.

É porque nos acostumamos tanto com a sujeira de Fortaleza, com calçadas cheias de monturos, que quando nos deparamos com o que deveria ser o natural ficamos feito bestas.

Brejo Santo toda é um brinco e sabe recolher e destinar o que pode ser reciclado? Penso que não. Os lixões na região do Cariri são terríveis, meio apocalípticos. Mas ali, no miolo da Cidade e nas fazendas, há uma gentileza com as ruas.

Além do "asseio", Brejo Santo também me surpreendeu por um "culto" curioso à memória do ex-deputado estadual e ex-prefeito do município: Welington Landim.

O médico, de 59 anos, finado em 2015 por causa de uma meningite bacteriana fulminante, tem retratos enormes fixados em alguns locais públicos e particulares.

Há uma devoção asiática à pessoa dele, também ex-presidente da Assembleia Legislativa do Ceará. Talvez uma gratidão de eleitor ou uma saudade de amigo que não alcança. Ou dó porque partiu cedo.

A fotografia de Welington está, por exemplo, num dos locais onde não se deve deixar de ir quando for a Brejo Santo. O bar de Seu Chico de Sinésio.

Um lugar encantado, cenário de romance de Ariano ou novela de Dias Gomes. Uma crônica. Pode ser que o falecido Landim seja um Roque Santeiro nas paredes. Talvez. E também toca Sá e Guarabira.

Quando fui lá à noitinha, para esperar a madrugada e ir à assombrada Milagres com Fábio Lima e Alexandre, tocava Belchior nas alturas. Alucinação.

Nas alturas, mas que não chegava a perturbar quem estava no largo grande da praça nem os dois rapazes, ao pé do balcão, ou os quatro amigos em uma mesinha na calçada.

Quem vai à "Caldeira do Inferno", de seu Chico, não se empanturrará. A não ser de conversas e um miolo de pote cordial até perto da meia noite. Há cerveja gelada, pinga, laranja e caju cortados. E basta.

Seu Chico, 76 anos, filho de seu Sinésio Barbeiro, tem o bar há 58 anos. Abriu no 16 de junho de 1960, iniciou bodega de balcão, telhado, caibros, prateleiras e secos e molhados. Depois, em 68, virou botequim.

O estabelecimento, vermelho por fora e verde por dentro é numa esquina. Na infância de seu Chico foi a barbearia do pai. Cheio de lembranças.

Há retratos nas paredes, imagens de São Francisco e Fátima. O Coração Sagrado de Jesus divide lugar com calendários, santinhos de políticos, cédulas de dois reais, quadros com dizeres populares...

O melhor são as garrafas antigas de cachaça no madeiro. Envelhecidas, pretas do tempo, preciosas. E o charme é que não estão à venda nem se bebe delas jamais.

Pitu, Caranguejo, Colonial, Douradinha, Vereda da Roça, Samanaú, Mangueira, Jureminha, Acayú, Paraíso do Sol e mais umas cinquenta.

Já quiseram negociar até um Corolla nas aguardentes, mas ele não. As pingas foram presentes de amigos. Gente que até já se foi. Seria desfeita se desfazer de uma gentileza.

Quem for a Brejo Santo não deixe de ir à Caldeira do Inferno. Uma bar-bodega onde se sorve, principalmente, conversa boa. Bêbado chato? Seu Chico de Sinésio pede pra pegar o beco.