quinta-feira, 26 de março de 2020

COLUNA DA JACQUELINE - O que temos pra hoje? Morangos a beira do abismo.


O que temos pra hoje? Morangos a beira do abismo.


Iniciarei a coluna de hoje com um pequeno texto de Rubem Alves:
Um homem ia feliz pela floresta quando, de repente, ouviu um urro terrível. Era um leão. Ele teve muito medo e começou a correr. O medo era muito, a floresta era fechada. Ele não viu por onde ia e caiu num precipício. No desespero agarrou-se a uma raiz de árvore, que saía da terra. Ali ficou, dependurado sobre o abismo. De repente olhou para a sua frente: na parede do precipício crescia um pezinho de morangos. Havia nele um moranguinho, gordo e vermelho, bem ao alcance da sua mão. Fascinado por aquele convite, para aquele momento, ele colheu carinhosamente o moranguinho, esquecido de tudo o mais. E o comeu. Estava delicioso! Sorriu, então, de que na vida houvesse morangos à beira do abismo…
E é bem assim que me sinto. E como acredito na empatia sei que muitos também estão se sentindo assim: a procura de morangos à beira do abismo.
Há exatamente 10 dias não saio de casa. Não lembro de ter passado tantos dias assim. As horas passam devagar. Como se o tempo quisesse fazer picuinha. Lembro-me que há poucos dias  tentava controlar o tempo e ele parecia escorrer por minhas mãos. Era um ativismo que só hoje consigo enxergar.
Reflito e vejo que a questão do tempo não se centraliza em horas mas no que temos para fazer e como o fazemos.
Como sempre faço minha agenda diária, bem diferente do que era. As prioridades mudaram de repente. 
Passo a ser crepuscular! O crepúsculo é essa consciência de que o tempo passa rapidamente, a vida passa rapidamente. Agora,  busco a felicidade aqui do meu alpendre.
Nestes últimos dias tento repetir assertiva que quero ter como meta de vida: A hora para se comer morangos é sempre agora. O passado já foi. O futuro ainda não chegou. Passado e futuro são tempos que não fazem parte da nossa vida. O único tempo que está vivo e nos pertence é o agora. Então, é nesse agora que estamos vivendo que devemos comer o nosso primeiro morango.
O que quero dizer com tudo isso meus amados é que nos cuidemos, cuidemos dos nossos, cuidemos uns dos outros. E em detrimento de qualquer outra orientação, por enquanto FIQUEMOS EM CASA!
Vamos nos  esforçar para encher esse tempo  com morangos vermelhos cheios de alegria e esperança!
Finalizo com uma linda poesia de Guimarães Rosa:
Saudade de tudo!…
Saudade, essencial e orgânica,
de horas passadas
que eu podia viver e não vivi!…
Saudade de gente que não conheço,
de amigos nascidos noutras terras,
de almas órfãs e irmãs,
de minha gente dispersa,
que talvez ainda hoje espere por mim…
Pressa!…
Ânsia voraz de me fazer em muitos,
fome angustiosa da fusão de tudo,
sede da volta final
da grande experiência:
uma só alma em um só corpo,
uma só alma-corpo,
um só,
um!…
Como quem fecha numa gota
o oceano,
afogado no fundo de si mesmo…
Por uma humanidade melhor!
Jacqueline Braga