sábado, 18 de abril de 2020

A Munganga - O Brejo arcaico e a Guerra de Pinto Madeira.


PADRE JOÃO MARTINS DE MORAIS

O padre João Martins de Morais, companheiro do padre Antônio Manoel de Sousa, o famoso padre “Benze Cacetes”, sacrificado em sua carreira eclesiástica e nos haveres, pela causa de Joaquim Pinto Madeira, ficou no rol dos esquecidos.

Joaquim Pinto Madeira foi um militar, rico proprietário rural e chefe político da vila de Jardim, que ao tomar conhecimento da abdicação de D. Pedro I, acompanhado de um grupo de partidários, entre eles o vigário de Jardim, padre Antônio Manuel de Sousa, marchou para a vila do Crato,onde levantou o grito de rebelião, em 02 de janeiro de 1832. De imediato, prendeu seus adversários liberais e readmitiu todos os que haviam sido demitidos por ordem do governo da Regência, no episódio que passou à história como Guerra de Pinto Madeira. 

O general Pedro Labatut, um mercenário francês que atuava no Brasil desde as lutas pela independência, foi o encarregado de combater Madeira, que na iminência de ser derrotado rendeu-se às forças legais próximo de Icó.

Condenado à forca pelo júri da vila do Crato, composto pelos seus antigos adversários, recorreu ao júri da capital, sendo então fuzilado na manhã de 28 de novembro 1834.

Ainda que de cunho regional, essa rebelião está vinculada às demais rebeliões ocorridas no período regencial, tais como a Guerra dos Cabanos, a Sabinada, a Balaiada e a Cabanagem.

Pois bem, o padre João Martins de Morais era filho de mulher forte do Cariri antigo, Dona Antônia Maria do Espirito Santo Furtado Leite (Iaiá Velha) e de João Martins de Morais (Pai). Esta, uma simples sertaneja que no decurso das guerrilhas em prol da casa dos Braganças, no primeiro reinado, em 1824, desempenhou papel saliente, concebendo na própria residência, manobras táticas, prestando serviço de enfermagem aos feridos, abastecendo de gêneros alimentícios os combatentes, etc. O padre João Martins de Morais deixa sua Fazenda Poço onde residia, com seus genitores e seus irmãos, e vai a auxilio do seu colega e um dos cabecilhas da revolta de 1832. Refiro-me ao padre Benze Cacetes, vigário colado na Barra do Jardim, Antônio Manoel de Sousa. Os dois Sacerdotes tomam parte saliente na Guerra de Pinto Madeira.

Nascido em dezembro de 1801, no Sítio Riachão, atualmente no município de Brejo Santo, Ceará, padre João Martins de Morais era filho legítimo do capitão João Martins de Morais (nascido em 15.08.1761 na Freguesia de São José dos Cariris Novos, atualmente no município de Missão Velha) e de Dona Antônia Maria do Espírito Santo Furtado Leite (nascida em Umburanas, atualmente no município de Mauriti). Casaram-se em 02.02.1801. Neto paterno do capitão Bartolomeu Martins de Morais, português da cidade do Porto, e de sua esposa, Ana Maria Ferreira, da cidade de Salvador, Bahia; neto materno do capitão Gregório do Espírito Santo, do então distrito de Milagres e de sua mulher, Isabel Furtado Leite, sendo Isabel, por sua vez, filha do tenente-coronel Luís Furtado Leite e Almeida, português, da Ilha de São Miguel e de sua mulher, Beatriz de Sousa, da ribeira baiana de Pambu (atual Bom Conselho). Além de João Martins de Morais, eram filhos do casal João Martins e Antônia Maria: Rita Martins de Morais, Ana Rosa Martins de Morais, Joaquina Maria Martins de Morais, Maria Antônia Martins de Morais, Rosa Martins de Morais, Antônia Martins de Morais, Pedro Martins de Morais e Antônio Martins de Morais.

O coronel Bartolomeu Martins de Morais e o citado tenente-coronel Luís Furtado Leite, estabelecidos na ribeira do Riacho dos Porcos, na passagem da primeira para a segunda metade do século 18, fundaram acolá, as famílias Martins de Morais e Furtado Leite, marcantes na vida econômica, social e política em terras atualmente dos municípios de Milagres, Mauriti, Brejo Santo, Porteiras e Jati. Foram as Fazendas Poço e Coité, os núcleos econômicos, respetivamente dos Martins de Morais e dos Furtado Leite.

Parente do padre João Martins de Morais, Dr. Leite Maranhão, afirma que o Sacerdote “se retirou para a Bahia, na Guerra do Pinto, porque era partidário deste”.

Monsenhor Raimundo Augusto, igualmente parente do citado Sacerdote, conserva, a respeito do assunto, a tradição vigente na família. Em resumo diz ele que o padre João Martins de Morais tomou parte ativa na rebelião empreendida por Pinto Madeira. Vencido este, o Sacerdote passou a viver oculto, não sem ciência dos pais, é claro. Sobrevivido copioso inverno, não se aguentou. Não tendo cessado as perseguições aos pintistas e sendo um deles, a mãe tentou solução de arranjo de família, e neste sentido, expediu positivo com carta para Dona Joana Martins do Espírito Santo Filgueiras, a quem pedia proteção para o filho perseguido. A destinatária, sobrinha materna do pai do Sacerdote, portanto prima deste último, era então, casada com o capitão Romão Pereira Filgueiras, irmão do famoso caudilho, já desaparecido, Capitão-Mor de Crato, José Pereira Filgueiras.

O casal era partidário radical do anti-pintismo, pelo que a resposta fulminante: “O destino do padre João Martins de Morais será a forca”. Isso obrigou o Sacerdote a procurar asilo entre seus parentes da Bahia, afirma o citado monsenhor Augusto, provavelmente em Pambu, berço da bisavó do mesmo padre João Martins, Dona Beatriz de Sousa Silveira. Lá faleceu o Sacerdote.

Na versão do general Joaquim Pinheiro Monteiro, o padre João Martins de Morais refugiou-se em Penedo, Alagoas, acompanhado de sua genitora. Vejamos: “Mãe e filho são deixados em Penedo por circunstancias imperiosas. Aquela volta ao Ceará, mas já sem o filho, que abalado pela violência do exílio não resiste ao traumatismo moral e falece, em janeiro de 1835”.

Dona Antônia, além de ser proprietária da Fazenda Poço, possuía também outros imóveis dentre os quais se salienta o Sítio Pedra Branca.

Ali costumava passar, em companhia do esposo João Martins, a época da safra, assistindo a fabricação rotineira da rapadura.

Com a ausência que durou três longos anos, esta sua última propriedade fora ocupada devidamente pelo Tenente da Milícia, José Gregório Tavares consorciado com Josefa Maria da Conceição.
Dona Antônia, porém, mulher varonil não obstante, ferida pelo infortúnio e profundamente abalada pela morte do filho, tenta e consegue reivindicar seus direitos espoliados.

Envidou esforços titânicos para isso. Por esse tempo chegam ao Cariri o Visitador Diocesano e seu secretário. Acompanha-os Antônio Raimundo Brígido dos Santos que se dizia muito prejudicado pelos pintistas. Requer ao Juiz de Paz, João Dantas Ratheia um Libelo Civil a fim de ser indenizado de vultoso prejuízo, apontando como principal responsável, o padre João Martins de Morais.

O Juiz bem parcial na causa foi contrário, à pretensão, justa de Dona Antônia. A matrona, porém, não se abate. À frente de grupo armado, decide-se a reivindicar pela força, seu direito, que a justiça prevaricadora lhe negara, sem apoio na lei. Após dias de luta, Dona Antônia, em março de 1835, tenta ação judicial e obtém então, ganho de causa. Apodera-se do mencionado Sítio que estava sob domínio de José Gregório Tavares. Ali viveu ainda longos anos.

Mais tarde outro personagem aparece, portanto, coberto pela poeira dos arquivos, o padre João Martins de Morais. Sua mãe, pela tenacidade, pode também ser enquadrada na galeria das mulheres varonis do Cariri do século 19, entre as quais se sobressaem as heroínas Bárbara Pereira de Alencar e sua nora Ana Triste, a mulher de Tristão Gonçalves de Alencar Araripe. Não podemos esquecer a firmeza de convicção da sertaneja Joana Martins do Espírito Santo Filgueiras que preferiu sufocar o amor de família a seu primo padre João Martins de Morais, apontando-lhe, enérgica, como única saída naquela emergência de cúmplice do pintismo: a forca.

O Brejo é Isso!

Por Bruno Yacub Sampaio Cabral

*Da redação do Blog do Farias Júnior, com A Munganga.
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