quinta-feira, 23 de abril de 2020

COLUNA DA JACQUELINE - O rei está nú?

O REI ESTÁ NÚ?

Hoje lembrei-me de um conto atemporal de Hans Christian Andersen, que sempre usava como ferramenta pedagógica nas aulas de Introdução a Filosofia, aos meus alunos do curso de Pedagogia: O Rei está nu!
É um conto que trata da vaidade humana. Quanto maior a vaidade, mais tolos nos tornamos. E infelizmente costumamos alimentar a vaidade uns dos outros.  
Vou tentar sintetizar o conto para quem não conhece:
Era uma vez um rei muito vaidoso e que gostava de andar muito bem arranjado. Um dia, um alfaiate espertalhão deu-lhe o seguinte conselho:
- Majestade, é do meu conhecimento que apreciais andar sempre muito bem vestido, como ninguém; e bem o mereceis! Descobri um tecido muito belo e de tal qualidade que os tolos não são capazes de o ver. Com um manto assim Vossa Majestade poderá distinguir as pessoas inteligentes das pessoas tolas, parvas e estúpidas que não servirão para a vossa corte.
- Oh! Mas é uma descoberta espantosa! - respondeu o rei. - Traga-me já esse tecido e faça-me a roupa; quero ver as qualidades das pessoas que tenho ao meu serviço.
O alfaiate ladrão tirou as medidas do rei e, daí a umas semanas, apresentou-se, dizendo:
- Aqui está o manto de Vossa Majestade.
O rei não via nada, mas como não queria passar por parvo, respondeu:
- Oh! Como é belo!
Então o alfaiate fez de conta que estava vestindo o manto no rei, com todos os gestos necessários e exclamações elogiosas:
- Vossa Majestade está tão elegante! Todos vos invejarão!
A notícia correu toda a cidade: o rei tinha um manto que só os inteligentes eram capazes de ver. Um dia, o rei decidiu sair para se mostrar ao povo, desfilando pela cidade, com sua comitiva real acompanhando. 
Toda a gente fingia admirar a vestimenta, porque ninguém queria passar por estúpido, até que, a certa altura, uma criança, em toda a sua inocência, gritou:
- Olha, olha! O rei está nu!
Ninguém conseguiu segurar o riso. Todos gargalharam e só então o rei compreendeu que fora enganado. Envergonhado e arrependido da sua vaidade, correu a esconder-se no palácio.
Recordo-me que este conto nos levava a várias reflexões filosóficas. 
Ironicamente, a frase traduz uma lúcida e sombria percepção da realidade: O rei está nu!
Começo a relembrar de algumas percepções: É preciso ver as coisas como elas são, as coisas são como vemos a partir dos nossos olhos, não precisamos nos fingir de cegos ou tirar os olhos alheios a força.
Paul Karl Feyerabend, filósofo austríaco, afirmava que o importante na experiência é a luz que ela traz sobre o pensamento, não o fato de achar ou comprovar uma "verdade", principalmente porque o mesmo fato será diferente conforme o observador/analista o veja de uma ou outra forma. 
O conto, servia para nas aulas de filosofia  representar metaforicamente as normas, convenções e valores que são socialmente construídos. Os "súditos" do rei vêem de acordo com o que está socialmente acordado, estabelecido, legitimado. O mecanismo social  faz com que quase todos discursem que o rei está maravilhosamente vestido. 
É o produto das convenções estabelecidas: ninguém ousa contestar, e passa a ver e admirar a roupa. 
E na vida é assim! Muitas vezes a gente vê, mas não quer acreditar. Você vê, mas não enxerga que o rei está nu, faz de tudo para acreditar no contrário. Não quer se mostrar louco ou estúpido, diferente dos demais, em discrepância com os valores e pensamentos socialmente aceitos. 
Todavia ,Ser rei não te desobriga a enxergar o vazio.
A verdade não precisa ser adornada, devemos falar a verdade simplesmente, com honestidade e caridade.
Quem ousa responder? O REI ESTÁ NÚ?
Por uma humanidade melhor?
Jacqueline Braga