sábado, 26 de dezembro de 2020

Fortaleza tem marca de cinco meses sem adoções realizadas no ano de 2020

 Foto: Kid Junior/Sistema Verdes Mares

Em dezembro de 2020, Fortaleza chegou ao terceiro mês sem novas adoções, segundo dados do Sistema Nacional de Adoção (SNA) contabilizados até o dia 19. Somando os três últimos meses a janeiro e abril, foram, ao todo, cinco meses sem nenhuma adoção no ano da pandemia.


Desde janeiro, foram concluídos 36 processos na Capital – sendo os dois últimos finalizados em setembro, de acordo com os dados disponibilizados pelo Ministério Público do Ceará (MPCE). A expectativa inicial era concretizar entre 100 e 120 adoções neste ano. Essas informações, contudo, ainda podem ser atualizadas.


O total concluído representa uma redução de 42,8% em comparação a 2019, quando ocorreram 63 finalizações. Atualmente, há 245 crianças e adolescentes acolhidas em abrigos de Fortaleza, e 57 delas estão aptas à adoção. Na Capital, há também 388 pretendentes habilitados, segundo o MPCE.


Na avaliação de Dairton Oliveira, promotor de Justiça e coordenador auxiliar do Centro de Apoio Operacional da Infância, da Juventude e da Educação (Caopije), a conta não fecha mesmo com a realização de audiências concentradas nos meses de outubro e novembro, processos “minimamente instruídos” e a cessão de técnicos do Município ao Sistema de Justiça – cujo termo de cooperação foi renovado em junho – para agilizar os trâmites.



“Falta sensibilidade e prioridade nos processos. No Ceará, temos mais de 800 acolhidos vivendo em institucionalização, dos quais 50% poderiam ter seus processos resolvidos antes mesmo do Natal. O que ocorre é uma invisibilidade da dor das crianças e pretendentes”, ressalta.


O promotor afirma que a pandemia da Covid-19 prejudicou a evolução histórica de adoções no Estado, que vinha crescendo desde 2015. “A invisibilidade precisa ser quebrada. As portas precisam ser abertas para os pretendentes devidamente habilitados, para aquelas pessoas que são idôneas. Também precisamos de mais transparência no sistema de adoção”, projeta.


Demora

As audiências concentradas têm o objetivo de reavaliar cada uma das medidas protetivas de acolhimento e otimizar a análise da situação pessoal, jurídica e processual dos acolhidos. No segundo semestre de 2020, foram realizadas 200 audiências do tipo em Fortaleza, com reavaliação de 230 crianças, segundo o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). Por causa da pandemia de Covid, todas as sessões foram feitas através de videoconferência.


Para Lucineudo Machado, presidente da ONG Acalanto Fortaleza, que apoia a adoção, apenas a pandemia não serve como justificativa para a demora no julgamento dos casos. Ele critica que, dos 230 casos revisados, menos de 10% tiveram algum encaminhamento. Desse total, apenas 22 acolhidos foram reintegrados às famílias de origem ou extensa, segundo o MPCE.


“Todos os outros casos estão prontos para serem julgados, mas a pergunta é: por que não foram, se já tem todo o relatório e se todo mundo já se pronunciou?”, questiona. Segundo ele, a demora prolonga a institucionalização de crianças e adolescentes por um período desnecessário e também põe em xeque a decisão de pretendentes. Parte deles, lembra, chegou a desistir no caminho, alegando descrença e indignação por terem de esperar anos na fila. “Isso mostra uma fratura na instituição da adoção legal”, aponta.



A reportagem procurou o TJCE para se posicionar sobre o que vem sendo feito para reduzir a fila de adoção na Capital e se há motivo específico para a não conclusão de processos no período mencionado. O órgão informou, porém, que entrou em recesso forense no domingo (20) e prossegue até o dia 6 de janeiro.


Processo

Em nota divulgada neste mês, a Associação Cearense dos Magistrados (ACM) destacou que foram adotados 63 adolescentes e crianças em Fortaleza, no ano de 2019. “Em 2020, mesmo com a pandemia, tanto os cursos psicossociais e jurídicos, etapa obrigatória ao processo, não pararam”, descreve a entidade. O Judiciário ministrou 10 cursos, envolvendo 79 comarcas, 165 servidores e 514 pretendentes.


O Ceará tem 249 crianças e adolescentes inseridas no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tanto na Capital como no Interior. Os dados foram coletados na terça-feira (22). Desse total, 121 cearenses estão disponíveis para adoção e outros 128 passam pelo processo de vinculação com adotantes. A quantidade de pretendentes cadastrados, por outro lado, é bem maior: são 790, atualmente, dos quais 700 estão disponíveis e 90 vinculados.


Integrante do Coletivo de Pais e Pretendentes à Adoção (Coppa), a servidora pública Dominik Fontes, 47, iniciou o processo há quase dois anos. Atualmente, ela e o esposo estão na 193ª posição da fila de espera, dividindo angústias e esperanças com diversas outras histórias de vida. E ressalta: o congestionamento não ocorre apenas pela espera de bebês, já que eles escolheram o perfil de irmãos de até quatro anos de idade, completando um quarteto junto a dois filhos biológicos.


“Quando fomos entregar a papelada, nos disseram que só na fila passaríamos seis, sete anos. Minha primeira ação foi sair da sala e pensar: ‘isso não existe, olha o tanto de criança que tem nos abrigos’”, recorda. Hoje, explica, os pretendentes se mantêm motivados dando apoio uns aos outros e lutando pela causa. “A gente se preocupa não só com os filhos de cada um, mas com todos. Não queremos que eles percam o tempo de infância e o desenvolvimento psicossocial dentro dos abrigos. Assim, é perder uma geração inteira”, aponta.



Equilíbrio

Lucineudo Machado, da ONG Acalanto, avalia que é preciso encontrar equilíbrio no tempo necessário para a resolução dos processos. “Não queremos uma destituição rápida demais, que venha a ferir os direitos da família biológica, e nem devagar demais, que faça com que crianças fiquem tanto tempo num abrigo”.


Já para a defensora pública e supervisora do Núcleo de Atendimento da Defensoria Pública à Infância e Juventude (Nadij), Julliana Nogueira Andrade Lima, não se pode esquecer que a adoção é um processo bastante complexo. “Apesar de envolver diversos sentimentos, devem-se observar os procedimentos legais com certo critério porque a adoção traz uma mudança bastante significativa na vida de uma criança, de um adolescente”, explica.


Ela ressalta que não deve se buscar simplesmente a rapidez, mas uma “resolução responsável” norteada pelo superior interesse da criança, cuja percepção do tempo é diferente do adulto. “A criança é a pessoa em formação ali. O sonho de ser pai ou mãe fica em segundo plano. O que temos de avaliar é dar uma família a uma criança, e não dar uma criança a uma família”.


*Da redação do Blog do Farias Júnior com dados do G1 CE. Para acessar a matéria original clique aqui.