domingo, 4 de abril de 2021

No interior do Ceará - Fósseis são contrabandeados em esquema internacional milionário

Foto: Divulgação/PF

Da Bacia Sedimentar do Araripe, no interior do Ceará, para a Europa, Ásia e Estados Unidos. Esse é o destino de milhares de fósseis que saem de cidades como Nova Olinda e Santana do Cariri, no sul do estado, de forma ilegal, para abastecer um esquema internacional milionário. A região é uma das três mais ricas do mundo na quantidade dessas peças. Formadas há cerca de 110 milhões de anos, as peças de valor histórico incalculável são vendidas no exterior, conforme órgãos de investigação, por até 150 mil dólares cada uma, a depender da sua importância.


O negócio não é novidade. Pesquisadores da região apontam que ele ocorre desde o início do século XVIII e, com o passar do tempo, foi se adaptando às legislações e ganhando cada vez mais adeptos. Atualmente, os traficantes encontram no Ceará ausência de fiscalização federal — que é a principal responsável por esses bens —, ineficácia de ações estaduais e uma lei que data de 1942, quando Getúlio Vargas ainda era presidente do Brasil.


A Agência Nacional de Mineração (ANM), principal responsável pela fiscalização da extração mineral, fechou seu escritório na região em 2018. Para a delegada da Polícia Federal no Cariri, Josefa Lourenço, a fiscalização é "bem precária" e o fechamento do escritório foi "uma das maiores decepções para a polícia".


A Polícia Federal e o Ministério Público Federal atuam na região coibindo o tráfico de fósseis, porém, ambos não têm função preventiva ou ostensiva frente a esses crimes e dependem de denúncias para iniciar as investigações. A partir delas, os órgãos conseguem desmembrar esses grupos, como a desarticulação de uma organização criminosa ocorrida em outubro do ano passado, a partir da Operação Santana Raptor.


Nessa operação, considerada a segunda maior sobre tráfico de fósseis no Brasil, um professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) foi alvo por supostamente integrar a quadrilha. Ao todo, foram cumpridos 19 mandados de busca e apreensão, e as apurações estão ocorrendo. A Polícia Federal informou que o pesquisador pagava "mensalidade" a operários para desviar as peças.


O relatório final deve ser apresentado pelas autoridades policiais em até três meses. O pesquisador nega qualquer relação e diz dispor de autorizações para guardar os fósseis que deram origem à investigação.


Dificuldade na repatriação

O Ministério Público Federal afirmou que a maioria dos procedimentos internos instalados apura a presença de fósseis cearenses identificados no exterior. Conforme o procurador da República Rafael Rayol, já foram identificados fósseis da Chapada do Araripe em países como Alemanha, França, Itália, Japão, Espanha e Estados Unidos. Atualmente, o MPF tem "de 10 a 12 processos que tratam de repatriação e apuração de responsabilidade".


“Quando isso é descoberto, a gente instala procedimento com dois objetivos em especial: um é apurar os fatos, identificar como saiu, saber como chegou ao exterior e como foi o transcurso para tentar identificar os responsáveis; o outro é o pedido pela atividade de repatriação”, explica o procurador.


Em alguns países da Europa e nos Estados Unidos, por exemplo, o comércio de fósseis não é ilegal e, muitas vezes, trazer esses materiais para o Brasil demanda tempo e requer cooperação internacional.


De acordo com o procurador Rafael Rayol, há mais de 1.500 peças apreendidas no exterior à disposição da Justiça e aguardam a decisão para que sejam repatriadas. O MPF acredita que os valores de fósseis de pterossauros, por exemplo, os mais valiosos da Chapada do Araripe, chegam a 150 mil dólares cada um na Europa. Peças similares já foram encontradas à venda no Brasil por R$ 10 mil.


*Da redação do BFJR, com G1.