sábado, 11 de novembro de 2023

Cientistas do Ceará preparam clones de veado para evitar desaparecimento da espécie

Foto: Inovafauna

Um projeto da Universidade Estadual do Ceará (Uece) pretende clonar espécimes do veado-catingueiro (Mazama gouazoubira) até o segundo semestre de 2024. O animal é encontrado em todo o Brasil, mas no Nordeste, conforme os pesquisadores que conduzem o projeto, a população do bicho tem diminuído, o que despertou temores de que ele possa desaparecer na região.


A pesquisa é conduzida dentro do projeto Inovafauna, que gira em torno de três eixos: criar planos de ação para preservação de espécies em risco no Ceará; desenvolver estratégias e treinamentos para a prática de observação de pássaros, conhecida como birdwatching; e usar a técnica de clonagem para auxiliar na preservação de espécies ameaçadas.


Atualmente, os pesquisadores, vinculados à Faculdade de Veterinária da Uece em Fortaleza, estão na fase de produção de embriões clones. Após a produção dos embriões, vem a fecundação, em que as fêmeas que vão servir de barriga de aluguel recebem os embriões e dão início à gestação.


O professor Vicente Freitas, um dos participantes do Inovafauna, indica que a técnica de clonagem para preservação de espécies já foi utilizada em outras partes do mundo.


“Essa biotécnica da reprodução, no caso a clonagem, ajuda essas espécies que a gente já sabe que tem um número pequeno de indivíduos, e então os métodos tradicionais de reprodução não fariam um efeito imediato necessário”, explica.


No Ceará, o veado-catingueiro entrou na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da Fauna, um guia compilado pelo governo estadual. O animal vive em média doze ou treze anos e, ao longo da vida, pode gerar de seis a oito filhotes.


No entanto, conforme Vicente, com a diminuição do habitat desses animais, o aumento da ocupação de seus territórios pelo homem, o tráfico de animais e os acidentes de trânsito, a espécie começa a correr riscos.


Se o número de indivíduos na região ficar muito reduzido, a reprodução e a continuidade da espécie na natureza podem ficar inviáveis. A professora Luciana Melo, que integra o projeto, aponta que a clonagem dos espécimes de veado-catingueiro vai servir para evitar este cenário de redução irreversível da população.


“Esses indivíduos precisam ser conservados, a genética deles precisa ser conservada. A longo prazo, ter uma ideia dessa dinâmica populacional e ter um espaço que esses animais tenham seu habitat preservado. Se a gente conservar o mínimo da genética deles, até a gente chegar nesse ponto [de preservação], eu acredito que a gente perdeu menos”, afirma a professora.


O clone

O Inovafauna recebeu o aval – e o apoio financeiro - da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) em janeiro de 2023, mas a pesquisa vem de antes. Em 2020, os pesquisadores já haviam produzido os primeiros embriões clones, que foram utilizados para testes genéticos.


Neste momento, o grupo se prepara para reiniciar a reprodução de embriões clones. Para isso, os pesquisadores vão usar um procedimento chamado clonagem interespécie. Isso porque o material genético do veado-catingueiro que vai ser clonado será inserido no óvulo de outra espécie, provavelmente, em óvulos de vacas e ovelhas.


A ideia é justamente facilitar o processo de obtenção de embriões: como o projeto tem acesso a um número limitado de fêmeas do veado-catingueiro, se torna mais difícil contar com os óvulos delas. Por outro lado, os óvulos de vacas e ovelhas são facilmente encontrados.


Além disso, os cervídeos - família de animais à qual os veados pertencem - são considerados animais de difícil manuseio na criação por humanos.


"Para quem já teve algum tipo de contato com cervídeos de uma forma geral, você percebe quanto o manuseio desses animais é complexo. Eles são animais altamente estressados. O animal simplesmente pode morrer de estresse. Então utilizar óvulos desses animais seria algo bem mais complicado. Enquanto que, para clonar, a gente pode ter uma amostra de pele e daí já dá cultivar por tempo indefinido”, explica Luciana Melo.


Foi justamente utilizando o procedimento de clonagem interespécie que os pesquisadores produziram os embriões clones em 2020, usando material genético do catingueiro e óvulos caprinos e bovinos.


Após a produção dos novos embriões clones, tem início a chamada transferência, quando os óvulos são inseridos nas barrigas de aluguel e tem início a gestação. Atualmente, os pesquisadores têm sob seus cuidados três fêmeas de veado-catingueiro, que devem receber os embriões clones. A expectiva é que os primeiros filhotes frutos da clonagem nasçam no segundo semestre de 2024.


“Esse processo logicamente não é uma uma atividade fácil, você estar produzindo uma gestação onde a natureza não se preparou para isso, mas atualmente nós temos ferramentas para que isso ocorra”, avalia o professor Vicente Freitas. “Então o projeto baseou-se nisso, utilizar essa biotécnica da reprodução para auxiliar a multiplicação desses animais [veados-catingueiros]”.


Crescimento populacional e variação genética

De acordo com a equipe do Inovafauna, a ideia central do projeto é manter um número de veados-catingueiros que possibilitem a continuidade da espécie. Por isso, o grupo rebate os temores de que a clonagem – que consiste na criação de um indivíduo geneticamente idêntico a um indivíduo anterior – possa impactar na variabilidade genética do grupo a longo prazo.


“Obviamente eu não posso pegar um único indivíduo clonar várias e várias e várias vezes porque isso não faz sentido. Mas trazer a clonagem um percentual de indivíduos, isso não teria problemas”, especifica a professora Luciana Melo.


“Nesse momento que a gente não sabe o número de indivíduos e que tudo indica que não são tantos, então a melhor coisa é a gente estar preservando essa genética desses animais e aí ir pensando numa estratégia a longo prazo. Não absolutamente viver de clonagem”, conclui.


Após o nascimento dos primeiros espécimes em 2024, o projeto deve ir para uma nova fase de acompanhar o desenvolvimento dos animais e, em sua última etapa, introduzir os novos indivíduos no habitat.


“A ideia inicial é que esses animais ainda devam permanecer sob a nossa guarda, sobretudo nos cuidados de crescimento, no estudo de desenvolvimento, mas com o passar do tempo, e a gente verificando a normalidade do animal, a sua capacidade reprodutiva, aí a gente vai indivíduos para a natureza, e aí sim interferindo realmente, diretamente, na multiplicação do número de indivíduos”, explica Vicente.

 


*Fonte: g1