quarta-feira, 22 de junho de 2022

COLUNA DA JACQUELINE: Pessimistas de todo o Brasil, uni-vos!

Na sua coluna de hoje Jacqueline Braga nos convida à leitura de um texto publicado por Henfil para sua mãe Maria Figueiredo de Sousa  em 1980.


Pessimistas de todo o Brasil, uni-vos!


De: Henfil Para: Maria Figueiredo Souza


São Paulo, 9 de janeiro de 1980


Mãe,


Sem piadinha. Vou me abrir.


Eu tenho acordado de uns seis meses para cá sem ânimo, sem esperança, sem vontade de brilhar, de lutar, de mudar a Lucinha, o Brasil, o mundo, o universo!


Muitas noites eu não durmo, assombrado. Pensando assim: tô ficando velho, é isso. Talvez o pessoal odara tenha razão e eu já seja coisa antiga.


Passo então a pensar angustiado em como enfrentar minha velhice tomando fortificantes, complexo B, mudando meu guarda-roupa.


Bão.


De repente eu percebi que o mano Betinho e a Maria também estão de farol baixo.


Aí, anteontem, pego o jornal e vejo o resultado da pesquisa Gallup que dizia que 71% dos brasileiros estão pessimistas. Há uma epidemia de desânimo e impotência assolando o país nesse exato momento!


O atual sistema, para governar, nos fez pessimistas. E pessimista não dorme, não faz amor, não faz partidos, não incomoda, não reclama, não briga.


Que diabo de país é este?


Pessimistas de todo o Brasil, uni-vos! Somos a maioria! Às ruas!


Henfil


Um país sob o recente comando do general João Batista Figueiredo – último militar a governar o Brasil antes da abertura política –, o retorno de exilados pela Lei da Anistia promulgada em 1979 e o fim do bipartidarismo político: este é o cenário nacional em que vivia Henfil ao escrever à Dona Maria, sua mãe. Com refinado humor, aponta a falta de esperança e o desânimo coletivo instalados no ar no início daquele ano de 1980. Pai do Fradim e da Graúna, dentre outros personagens clássicos do cartum brasileiro, manteria a coluna “Cartas da mãe” na revista IstoÉ até 1984.