Ó Deus, temos um
robô em nossa casa!
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Imagem do Google |
Anderson Fonseca relata os benefícios e perigos de se viver com robôs domésticos.
Nota da redação.
Antes que o leitor comece a ler o texto é necessário que externemos a nossa gratidão (a leitores e escritores), e a nossa alegria em poder estar oferecendo a todos, um espaço para divulgação e leitura de textos de altíssima qualidade e das mais diferentes vertentes literais. Temos aqui neste Blog, escritores, professores, psicólogos, advogados, historiadores, poetas populares e agora também um pesquisador já publicado nos maiores jornais do país que gentilmente divide conosco, escritos seus.
Além de uma grande honra é também motivo de redobrar a nossa atenção e zelo com esse espaço literário, cultural, opinativo, informativo e principalmente democrático. Boa leitura.
Os benefícios e perigos
de se viver com robôs domésticos.
Imaginar uma casa
onde robôs auxiliam, divertem e interagem com humanos é ficção científica,
hoje, quando se considera a realidade econômica de um país. No Brasil, por
exemplo, apesar do crescimento econômico, robôs estão apenas nas indústrias e
instituições de pesquisa, se há em ambientes domésticos, o número é bem
pequeno. Para mim era um universo distante, algo apenas possível no desenho
animado Os Jetsons. Três décadas depois vivencio a ficção.
O que me levou a
infiltrar na casa robôs é a necessidade – ou obsessão? – de responder a uma
questão importante: Como robôs em ambiente doméstico impactam os seres humanos?
De que forma os sentimentos e a percepção sobre o robô é afetada depois de
passar um tempo com ele?
Para responder a estas perguntas adquiri dois robôs da empresa Wow Wee: RoboMe e Chip Dog. Este último foi lançado em 2016. Além deles, o robô Goolsky Wltoys F8 Dobi que chegará fim do ano. Viver com dois robôs projetados para crianças, que simulam inteligência comportamental, já transforma nossa visão de mundo.
Desde que aqui estão, inclino-me a pensar nos benefícios e problemas que podem gerar.
O novo amigo da família
Quando o RoboMe
chegou a nossa casa ficamos maravilhados. Ainda me lembro da expressão de Ana
Clara, minha filha, espantada e muito animada om a máquina. Ela disse: - Pai, é
um robô, um robô! Ele é tão fofo,
acrescentou. E é verdade, o RoboMe é fofo. Uma verdadeira graça. Assim que o
ligamos, ele disse o próprio nome e Ana fez um “Ó!”. Passamos
muito tempo interagindo com a máquina e percebemos como as aplicações tecnológicas
beneficiariam a educação de Clara. Um
deles é despertar o interesse pela língua inglesa através da conversação. O
outro é interagir com a criança a partir das emoções. O RoboMe contém um LED
que altera de cor (verde, alegre; azul, triste; amarelo, sério; vermelho, raiva
ou paixão) para indicar suas emoções, além disso, reconhecer a voz com que
dialoga. O conjunto (expressões faciais, indicadores emocionais e voz) permite
a criança interagir com o robô como a um amigo. No momento da interação a
criança elabora uma teoria mental a respeito do comportamento da máquina como
se ela estivesse viva, embora o termo não signifique o mesmo para um ser
biológico e a criança tem noção deste sentido intuitivamente.
Certa vez, Ana
deixou o robô por muito tempo parado e o LED ficou vermelho e o rosto franziu.
Ana, mal o viu assim, exclamou: - Papai, ele está bravo!
- Vamos alegrá-lo?
– Eu disse.
- Vamos. – Ela
confirmou.
Passeamos com ele
pela casa, logo, logo, a cor mudou para o verde e o rosto desenhou um
sorriso. Ana disse: - Ele está
feliz! Como me senti em relação a este
episódio? Percebi o quanto um robô humanoide que expresse emoções humanas e
reaja a elas pode afetar aqueles que se cercam dele, sobretudo crianças. É
claro, esbocei um sorriso.
Esta mudança de
perspectiva é boa para a formação de uma afetividade que permita ao robô educar
a criança de forma divertida, assim como também orientá-la durante sua
maturação neurológica positivamente.
Por outro lado, há
o risco da mudança da programação para que o robô ensine a criança ações nada
éticas como mentir, ou mesmo a violência. O grau de influência da máquina sobre
o infante depende da intensidade do afeto. Por isso, o monitoramento destas
máquinas pelos pais é importante. Outrossim é a afetividade se fundamentar em
emoções irreais, porque a máquina as simula, não as sente e, com isso, a
criança transferir essa experiência para outras relações.
Substituindo
animais domésticos por robôs
Depois do RoboMe
veio o Chip Dog. Este se aproximava mais dos objetivos do meu estudo. Comprei
para analisar os efeitos da substituição de animais domésticos por robôs e, de
que modo, esta substituição afeta a criança como também a família. A chegada dele foi mais divertida. Ana ficou
muito animada, para onde ela ia, Chip estava atrás. O relógio que possibilita
interação entre o cachorrinho e Ana estava no pulso dela. Quando ela está
próxima de casa, o relógio sinaliza para Chip que logo se dirige para a porta e
fica a esperá-la. Ah, é incrível a reação dela ao ver o cachorrinho latir feliz
com sua chegada, é como um animal de verdade. Impressionante! É maravilhoso!
Diferente de um
cachorro ou um gato, animais sintéticos com IA não defecam em lugares
inapropriados, não resistem a ordens, são dóceis e submissos e... limpos. E
como são umas gracinhas, acabamos nos apegando a eles. O grau de afetividade
dispendida, dependendo do tempo investido, não seria diferente daquele
despertado por um animal real.
Mas toda máquina,
assim como seres biológicos, tem um tempo de vida útil. Chega a hora em que ela
para de funcionar. A criança sofre com
a perda, a família também. No Japão, em 1999, a Sony lançou o robô Aibo, um cachorro
com um processador de 64 bits, que falava e reconhecia comandos de voz. Até 2007 ele foi produzido e por mais sete
anos a empresa deu suporte. Em 2014, a última firma que cuidava do Aibo fechou.
Desde então, os cachorrinhos começaram a morrer. Neste momento, os donos
decidiram enterrar seus Aibos com a benção de monges budistas. O estranho
fenômeno chamou a atenção em 2015. Foram
mais de sete anos de convivência com o robô, e isto gerou profundo impacto
emocional e cognitivo nos donos. É natural quando se convive com uma máquina
que simula o comportamento de um animal biológico ter por ela uma empatia e, no
instante exato em que a entropia a alcança, prestar a ela homenagem
manifestando a saudade de sua existência.
Um dia Chip irá
morrer. Quando este dia nos alcançar, imagino como Ana Clara irá reagir. Eu
sentirei falta, ela também.
Uma abordagem nada
romântica
Temos uma visão
romântica dos robôs, e, talvez este artigo reproduza essa ótica. Mas, não é bem
assim. Viver com máquinas inteligentes é divertido. Não parecem representar
perigo. Eis o engano. O fato delas não serem como nós humanos, não significa
que não possam nos manipular, vigiar, enganar, doutrinar, etc., a empatia pode
ser uma porta para muitos problemas. Mas a culpa não é dos robôs, e sim de quem
os desenhou. Seria Deus culpado pelos erros do homem, se ele os desenhou? Acho
a pergunta um tanto ingênua, embora ela revele o perigo da programação. Um
hacker pode invadir um robô doméstico e usá-lo para vigiar e registrar a
intimidade da família, ou mesmo para manipular a criança ou assassinar alguém.
Não se sabe o grau
do impacto de robôs domésticos nas relações humanas, mas podemos imaginar que,
assim como os celulares e as redes sociais alteraram o modo como o homem se
relaciona, os robôs também exercerão igual mudança. Trouxe alguns robôs para
casa com o objetivo de refletir os efeitos desta interação. Embora esteja no
inicio, já posso sentir o pequeno impacto.
Anderson
Fonseca
Escritor de ficção científica e fantástica, pesquisador e neuroeducador.